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30 de Abril de 2023

AMEAÇAS A ESCOLAS: Muitas crianças que já eram ansiosas agora estão em pânico

AMEAÇAS A ESCOLAS: Muitas crianças que já eram ansiosas agora estão em pânico

Psiquiatra infanto-juvenil há sete anos, Luana Frick diz que as recentes ondas de ameaças e ataques às escolas afetaram bastante crianças e adolescentes, especialmente aqueles mais ansiosos. 

 

Tem aumentado bastante o índice de crianças que vêm aqui por quadros de ansiedade 

"Algumas crianças precisam mesmo de medicação, porque já eram ansiosas e agora estão em pânico", afirmou a profissional.

 

Conforme Luana, os pais não têm conseguido ajudar os filhos, pois não estão em casa.

 

A psiquiatra recebeu o MidiaNews para falar sobre a violência na juventude e os ataques nas escolas que, atualmente, ocorrem em diversas regiões do país.

 

Confira a entrevista:

 

MidiaNews – As ameaças de atentado têm sido cada vez mais comuns. Como os pais devem se portar diante dessas ameaças para que os filhos não sejam tão afetados?

 

Luana Frick – Isso está sendo um problema muito sério. No consultório tem aumentado bastante o índice de crianças que vêm aqui por quadros de ansiedade significativos, porque já eram ansiosos e tiveram piora depois desses eventos.

 

É uma coisa que os pais não estão conseguindo ajudar muito as crianças porque, muitas vezes, não estão em casa, não têm convívio com a criança. Algumas crianças precisam mesmo de medicação, porque já eram ansiosas e agora estão em pânico.

 

Na verdade, toda a população deveria ajudar as crianças com uma questão de acolhimento, de psicoeducação. Mostrar que aquele indivíduo que pensou em cometer aquilo está em sofrimento. Os pais escutarem, orientarem sobre os riscos para que as criança se sintam mais seguras. Muitos pais, na verdade, estão em pânico.

 

MidiaNews – A senhora não acha que o Estado deveria pensar estratégias para fornecer acolhimento e acompanhamento para esses jovens?

 

Luana Frick – Sim. Para os jovens e famílias. Na verdade, esses jovens e famílias estão vulneráveis desde a época da Covid. Então digamos que a psiquiatria da infância quadriplicou a quantidade de pacientes depois da Covid. São famílias que estão vulneráveis por vários lutos e agora começa essa onda de violências que tem deixado todo mundo em pânico de novo, como se fosse uma pandemia de violências. O Estado tem que, de alguma forma, colocar psicologia e psiquiatria mais exposta, de maneira a fazer o acolhimento da população, porque isso vai entrar em uma panela de pressão e, em algum momento, vai estourar.

 

MidiaNews – A senhora acredita que os jovens, ao verem ataques em escolas como o ocorrido em São Paulo, sentem impactos mentais e emocionais?

 

Luana Frick – Traz impacto para eles, principalmente na questão de identificação. Eles têm muita confusão na identidade. Parece que antigamente não tinha tanta confusão como existe hoje sobre a questão de identidade. Todo adolescente passa, mas parece que essa questão de identidade hoje tem ficado mais confusa. Estamos vivendo um momento de confusão em todos os sentidos e o medo de ir para o lado o certo ou para o errado, de saber quem sou eu, o que posso fazer, não era tão significativo.

 

MidiaNews – Recentemente, grandes veículos de comunicação adotaram a política de não mostrar as cenas dos atentados e de não divulgarem a identidade dos jovens que atacaram. A senhora acha isso saudável?

 

Luana Frick – Isso é saudável. Eles estão protegendo do efeito manada. Quando você publica nomes e detalha o que aconteceu, isso aumenta o efeito manada. É como se os detalhes fossem mais interessantes, fizessem uma inspiração.

 

MidiaNews – A senhora acredita que, se o governo oferecesse acompanhamento psiquiátrico para esses jovens e famílias, o cenário poderia ser diferente?

 

Luana Frick – Tenho certeza. Só que é uma coisa difícil. O governo não consegue fazer acompanhamento das crianças. É uma questão pública, porque essas crianças precisariam do tratamento de um para um.

 

A questão da violência é mais difícil, porque tem que fazer uma política mais ampla de vulnerabilidades, por exemplo, de crianças que vivem em extrema pobreza, de extrema violência. Teria que ser uma busca ativa desses indivíduos, da saúde ir atrás dessa população e até da população que esteja em sofrimento emocional, mesmo que não seja dessas áreas de risco. Quando isso acontece de uma maneira passiva, já é difícil ter tratamento como o CAPS. O CAPS Infantil de Cuiabá, juntamente com a equipe Evoluir, a equipe chegou a fazer um treinamento para eles fazerem o acolhimento de crianças autistas para, de alguma forma, fazerem o tratamento, porque até então eles não tinham capacitação nenhuma.

 

Os pais estão procurando o local. A busca teria que ser ao contrário, os profissionais irem em busca dessas crianças que estão em risco de violência. A busca é ativa, é mais difícil ainda. 

 

 

MidiaNews – Como a psiquiatria pode tratar jovens que manifestam comportamento violento?

 

Luana Frick – Da mesma maneira que ajudamos no suicídio. Tem a história do Papageno e algumas pessoas falaram (para ele): “Você não precisa se suicidar para essas coisas se resolverem, você pode ter ajuda”. A mesma coisa da violência. Não é preciso violentar o outro para que isso seja resolvido. Eles podem procurar ajuda da psiquiatria, da psicologia para lidar com esse sofrimento, para desmistificar se é uma depressão, uma patologia mais grave. Eles podem ter um acompanhamento psicoterápico e não precisam chegar nesse limite.

 

MidiaNews – Então existe possibilidade de tratamento para esses jovens cuja explosão de violência chega provocar a morte de outras pessoas, como ocorreu naquela escola em São Paulo?

 

Luana Frick – Existe. Cada motivo é um motivo. As pessoas ficam dizendo “aquele indivíduo era um psicopata adolescente?”. Não tem como eu dizer porque não avaliei o adolescente. Na infância não chamamos de psicopata, chamamos de transtorno de conduta, mas será que é transtorno de conduta mesmo? Será que não é outra patologia? Porque muitas pessoas acham que tudo é isso, quando na verdade podem ser vários motivos que levaram a criança a fazer aquilo.

 

Enzo Tres/MidiaNews

LUANA FRICK

Luana compartilha que, antes de julgar ou diagnosticar o adolescente, é necessário fazer uma avaliação sobre o contexto de vida dele

 

MidiaNews – A senhora acredita que a violência tem sido normalizada entre os jovens?

 

Luana Frick – Tudo está se tornando normal. Quando não há o limite do outro, essas violências começam. Está tudo muito normal. Hoje, por exemplo, se tem uma pessoa que é de uma religião e aquela religião se veste de uma maneira mais adequada, as pessoas a colocam como careta. A pessoa que luta pela liberdade já não é tão careta assim. Aí os jovens ficam nessa confusão: “Sou careta ou da liberdade?”. Quanto mais liberdade, menor o limite entre um e o outro, que é quando acontecem as agressões. Não que as pessoas tenham que ser conservadoras ou não, mas elas têm que entender que entre elas e o outro é preciso ter limite e respeito.

 

Muitos jovens acabam entrando em uma questão de confusão e perdendo esses limites, porque eles pensam que não querem ser a pessoa chata e super conservadora, mas aí pensam: “Então tudo pode?”. Vai ficando uma questão confusa que acaba por deflagrar episódios de agressões.

 

MidiaNews – De que forma a senhora acha que essa falta de limite e a normalização da violência afetam o desenvolvimento dos jovens até a fase adulta?

 

Luana Frick – Hoje as crianças e adolescentes são mais frágeis do que da minha época. Tenho 35 anos. São crianças que não conseguem lidar com as frustrações. A falta de limites está, muitas vezes, por ausências familiares dessas crianças. Os pais dão de tudo porque, na maior parte do tempo, estão ausentes. Isso faz com que deflagre indivíduos que não conseguem lidar com nenhum tipo de frustração também. A longo prazo, eles podem se tornar indivíduos agressivos porque não conseguem lidar com momentos difíceis da vida como um sofrimento.

 

Essa normalização é isso. Eles começam a perder o limite por ter essa normalização de que tudo se pode. Na verdade, não é só uma questão de violência, eles começam a entrar em uma confusão de identidade, de religião, de valores. É uma complexidade de fatores que faz com que eles fiquem confusos sobre o que acreditam e o que devem ser.

 

MidiaNews – Qual a responsabilidade dos pais sobre a agressividade dos filhos?

 

Luana Frick – Os pais estão relacionados quando estão em ambiente conflituoso, pode ser eles cometendo violência ou estarem em ambientes violentos. Os pais também têm porcentagem de culpa quando não dão limites aos filhos, quando os filhos podem fazer o que quiserem, da forma que quiserem. Isso também deflagra comportamentos violentos.

 

MidiaNews – Então a senhora acha que a permissividade dos pais é um fator que desencadeia a violência dos filhos?

 

Luana Frick – Tenho certeza. O “não” também é uma maneira de você amar. Quando a criança não tem limite, ela não tem o respeito ao outro, porque nada a segura, ela pode tudo. Então, se ela pode tudo, ela pode matar alguém porque isso é normal, porque não está acostumada a lidar com nenhum tipo de frustração. Se ele não tem essa frustração em casa, ela não aceita fora de casa.

 

MidiaNews – A senhora acha que os traumas de uma criança que cresce em ambiente abusivo desencadeiam uma violência excessiva no comportamento dela?

 

Luana Frick – É uma forma de proteção. É como se ela se acostumasse a viver naquele ambiente de violência, para ela a violência é acolhedora. Ela se acostumou tanto com a violência que viver em um lugar que não a tenha é estranho.

 

Isso faz com que meninas que vivem em ambiente de violência procurem um relacionamento violento, porque elas se acostumaram a viver nessa violência. É a zona de conforto, porque ela sabe lidar com a violência, não sabe lidar com um ambiente normal.

 

MidiaNews – O que os pais devem fazer quando os filhos começarem a apresentar comportamento violento?

 

Luana Frick – Há duas maneiras de lidar com isso. Podemos estar falando de uma violência que é vivencial. Então, na verdade, como é que o pai lida com a violência dos filhos? Às vezes a família vive em um ambiente violento.

 

Se a criança tiver um tipo de comportamento e passa a mudar e ser mais violenta e irritada, tem que fazer avaliações psicológicas e psiquiátricas, porque, mesmo em casos de depressão, as crianças têm mais comportamento de irritabilidade e violência. Não está relacionado ao transtorno de conduta, de ser uma criança má. Muitas vezes são patologias.

 

MidiaNews – Quando essas crianças são submetidas a tratamentos psiquiátricos, os pais também passam por avaliação?

 

Luana Frick – Os pais trazem a criança, mas muitas vezes não querem fazer o tratamento, mas é necessário. Conforme vou atendendo a criança, consigo ver se a violência é normalizada na família.

 

Só que é muito difícil, porque você vai atendendo e descobrindo várias coisas da família que ela não quer que você descubra. Fica um “volto lá ou não volto? O que eu faço?” A família começa a entrar em um conflito de interesses. Por mais que a criança não esteja bem, às vezes as famílias não voltam, porque fica cada vez mais evidente o que está acontecendo em âmbito familiar.

 

MidiaNews – Quais doenças mentais e de que formas podem desencadear violência nos jovens?

 

Luana Frick – Quando falamos de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), são os indivíduos que mais cometem violências e fazem uso de substâncias. A criança vai ser mais birrenta, que se joga mais no chão, inquieta, impulsiva. O Transtorno Afetivo Bipolar também deixa a criança mais irritável, agressiva, que pode mexer em órgãos genitais... Elas vão tendo comportamentos que não são próprios para a faixa etária e, a longo prazo, se essa criança continuar sem tratamento, ela vai deflagrando comportamentos que cada vez a expõem mais e expõem os outros indivíduos.

 

MidiaNews – O que a senhora acha que pode ser feito para amenizar essa epidemia de violência?

 

Luana Frick – Para amenizar, uma coisa que já está sendo feita é os veículos de comunicação tirando os detalhes dos homicídios.

 

Fazer uma psicoeducação para a população seria muito interessante, ao mostrar que, no momento de confusão, teria alguém para amparar esse indivíduo, mas de fato ter alguém, não ser apenas uma divulgação. Isso protegeria a sociedade como um todo.

 

MidiaNews – De que forma o bullying afeta o psicológico e o emocional dessas crianças?

 

Luana Frick – O bullying afeta porque hoje o emocional dessas crianças é mais vulnerável. Atinge a criança porque, emocionalmente, ela é mais frágil, já sofre com o ambiente de violência, não tem religião e não sabe o que é certo e errado. Se ela tivesse uma parte emocional bem estruturada, o bullying não afetaria.

 

MidiaNews – O que é essencial para uma criança ter um emocional bem estruturado?

 

Luana Frick – Apoio familiar. Religião faz toda diferença. Apoio em ambientes sociais, como as escolas, como ter momentos espirituais, tipo aulas de religião. Escutar o quanto aquela pessoa sofreu, mas como ela conseguiu melhorar mesmo diante daquele sofrimento. Isso faz diferença para a criança. Hoje, nas escolas, a gente nem ouve mais falar de ensino religioso.

 

MidiaNews – A senhora acredita que sofrer bullying torna a criança violenta?

 

Luana Frick – Não, porque não é só o bullying. É mais um dos fatores que agregam, mas não a relação direta. Não é a causa.

 

É a vulnerabilidade emocional dessa criança. Aquele menino que matou a professora foi o estopim, mas não foi isso que levou ele a fazer. Foi uma série de fatores, tanto familiares, quanto escolares, religiosos. Se essa criança tivesse um apoio, certamente isso não teria acontecido.

 

A criança tem uma questão que o idoso não tem. Ela tem uma capacidade de plasticidade. Se ela viver em um ambiente violento, a partir do momento que ela viver em um ambiente acolhedor e restaurador, ela muda esse comportamento, o cérebro dela muda a maneira de pensar sobre a vida.

 

A violência ocorre devido a esse monte de fatores que estão acontecendo nesse cérebro tão imaturo e ele está muito inseguro, então qualquer coisa não tem uma boa saída, mas se essa criança tivesse um bom acolhimento e tudo mais, ela teria essa mudança de percepção do mundo.

 

MidiaNews – Existem evidências de que os games aumentam a violência entre jovens?

 

Luana Frick – As telas aumentam a questão da impulsividade, do nível de alerta, tiram o sono e aumentam a ansiedade. Quando falamos de conteúdo, o indivíduo pode sim ser mais violento por vivenciar aqueles jogos violentos. É um fator que contribui, mas não que determina. Se a criança joga jogos violentos, mas vive em um ambiente amoroso, é até estranho ela jogar algo violento, mas só aquilo não fará com que ela se torne violenta. É uma série de fatores.

 

MidiaNews – A senhora acha que a violência nos jogos ajuda a normalizar a violência no convívio social entre jovens?

 

Luana Frick – Sim, porque eles vivem uma questão de confusão de identidade. Eles são mais vulneráveis a vários deflagradores. Na China, muita gente gosta do sadismo e de ver sobre violência, porque eles vivem em um ambiente de violência. Eles vivem em um ambiente mais violento, se você não consegue cumprir uma meta, você passa por punições, por exemplo. Eles são acostumados com a violência interna e sofrem emocionalmente. É um sistema opressivo.

 

MidiaNews – O que faz jovens se tornarem violentos?

 

Luana Frick – Há alguns estudos que falam sobre a violência não só na infância, mas ao longo da vida, relacionados à vivência familiar. Os estudos mostram que existem indivíduos que têm uma questão genética, eles não ficam ansiosos. Vamos dizer que tem dois tipos de psicopatas: um é pela questão genética que, mesmo em fatores estressores, eles não ficariam ansiosos, e outro pela vivência familiar. 

 

Ambientes conflituosos fazem com que o indivíduo possa se tornar violento ao longo da vida. Quando falamos desses dois tipos de psicopata, os indivíduos que têm a vivência familiar violenta são mais agressivos. Aqueles psicopatas que só têm alteração genética não são tão agressivos quanto os que vivem no ambiente de violência. Pode ser uma questão não só de violência familiar, mas de violência ambiental. Por exemplo, em lugares que tem um contato maior com a violência, eles tendem a ter um comportamento mais violento.

 

MidiaNews – A senhora acredita que os ataques às escolas, de alguma forma, estão relacionados à psicopatia?

 

Luana Frick – Estou dizendo que ambientes violentos cursam com maiores violências. Dei o exemplo da psicopatia para dizer que ambientes violentos causam psicopatia. O que está acontecendo, na minha percepção, é o mesmo que acontece com o suicídio. Quando a mídia começa a divulgar muito sobre suicídio, começa um efeito manada de suicídio. É o mesmo que aconteceu com os adolescentes. Eles começam a ver a violência escolar e começa mo efeito manada, uma violência aqui e outra ali.

 

MidiaNews – Existe uma explicação para esse efeito manada?

 

Luana Frick – Muitas vezes há o romantismo em relação ao adolescente que agrediu a professora. Por exemplo, em São Paulo o estudante esfaqueou a professora e morreu. Ele sofria agressões violentas em casa, sofria bullying. Ele queria cometer um suicídio e uma violência. Aquilo foi romantizado e detalhado sobre o que aconteceu. Nisso, várias pessoas começam a fazer uma identificação, principalmente quando estamos falando de adolescentes que ainda não têm a personalidade própria. Eles começam a ter uma identificação com a personalidade daquele agressor e começam a reproduzir esses quadros de violência. Seria uma reprodução pela identificação com a vivência do outro.

Fonte: midianews

Autor: ENZO TRES DA REDAÇÃO Foto Enzo Tres MidiaNews