Se o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta se limitar a repetir na sessão da CPI da Covid desta terça-feira (4) o que afirmou no livro que lançou no ano passado, Um Paciente Chamado Brasil, o estrago para o governo do presidente Jair Bolsonaro já será enorme.
Mandetta, apontado como possível candidato à sucessão de Bolsonaro em 2022, será ouvido a partir das 10h no primeiro depoimento da comissão que tem como missão investigar falhas dos governos federal e estaduais no combate à pandemia de covid-19. Às 14h, será a vez de seu sucessor na pasta, Nelson Teich, que assumiu em abril de 2020.
No livro, lançado em setembro e escrito pelo jornalista Walter Nunes com depoimentos de Mandetta, o ex-titular da Saúde conta que Bolsonaro negava a gravidade da doença, não parecia se importar com os dados que o ministério informava e era um obstáculo a medidas de proteção e isolamento social defendidas pela pauta.
De acordo com o ele, Bolsonaro encontrou no medicamento de ineficácia comprovada cloroquina a saída para a pandemia.
Mandetta disse que as primeiras projeções da gravidade da doença já contaram com o descaso do presidente. "Era como se eu representasse o carteiro que o presidente queria matar porque levava notícia ruim", escreveu.
“Ele nunca aceitou sentar comigo para ver a realidade que o seu governo estava para enfrentar”, disse o ex-ministro.
Em uma reunião do ministério em 28 de março, na qual pela primeira vez Bolsonaro pareceu se importar com os dados (o presidente faltou a várias outras sessões marcadas pela pasta), Mandetta fez a projeção de que o país poderia chegar a 180 mil mortes de covid-19 caso nada fosse feito. O chefe do Executivo ouviu tudo e perguntou apena se Mandetta elogiaria a atuação do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que havia decretado medidas de restrição no Estado.
“Eu não podia fazer nada. Ele queria no seu entorno pessoas que dissessem só aquilo que ele queria escutar. E o que ele queria escutar era que a cloroquina era a salvação. ‘Vamos dar esse remédio e pronto, está resolvido’, era o que ele achava”, contou.
Em outro trecho da obra, o ex-ministro afirma que havia perdido a confiança em Bolsonaro.
“Todas as vezes que conversávamos, ele dizia que me deixaria trabalhar, organizar o sistema e implementar o que fosse necessário. Mas falava isso de manhã e fazia o diametralmente oposto à tarde.”
Mandetta lembra que em vários momentos foi surpreendido com as aglomerações causadas pelo presidente nas ruas do país, sempre sem máscara.
Ele narra ainda que na mesa do presidente não havia álcool em gel e que ele também não usava máscara. Mas tinha sempre embalagens de cloroquina.
De acordo com ele, Bolsonaro realmente acreditava que a covid-19 só era um risco a pessoas com mais de 80 anos.
Na visão de Mandetta, o chefe do Executivo defendia a cloroquina não por confiar na droga, mas por achar que ela seria um estímulo para que as pessoas voltassem às ruas e ao trabalho.
O ex-ministro também deve ser desafiado pelos senadores de oposição a explicar a postura do ainda titular da pasta da Economia, Paulo Guedes, um dos alvos de Mandetta em Um Paciente Chamado Brasil.
Ele narra no livro que Guedes também parecia não se importar com a doença e não prestava atenção nas explicações dos técnicos de Saúde.
Um dos trechos mais importantes da obra mostra que Guedes desconhecia uma regra antiga no preço dos medicamentos no Brasil, tabelados com a intenção de proteger os consumidores. Em uma reunião no início de 2020, Mandetta teria batido boca com o liberal ministro da Economia, que queria o fim do tabelamento de preços.
À tarde, a partir das 14h, Teich deve ser questionado porque ficou menos de um mês na pasta, dando lugar a Eduardo Pazuello, que será ouvido pela CPI na quarta-feira (5).
De acordo com reportagens da época, Teich não suportou ser obrigado a mudar o protocolo do Ministério da Saúde a favor do uso da cloroquina mesmo em pacientes de covid em estado leve. Pazuello, seu sucessor, fez isso logo após ser empossado, a mando do presidente.
Na quinta-feira (6) estão previstos os depoimentos do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e do presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antônio Barra Torres.
Fonte: R7
Autor: Marcos Rogério Lopes, do R7