Se o Mensalão, como a Lava-Jato, foi uma farsa, Valdemar da Costa Neto e o PL são, como Lula e o PT, vítimas de um esquema criminoso perpetrado pelo Ministério Público e pela Justiça.
A campanha eleitoral de 2022 foi antecipada há quatro anos pelo próprio presidente da República Jair Bolsonaro, eleito em 2018. Pouco afeito ao trabalho duro, cuida apenas do seu projeto pessoal de reeleição. Continua prisioneiro da lógica do político eleito pelo voto proporcional. Ele só consegue dialogar com os seus segmentos fiéis e submissos. É incapaz de articular um discurso amplo para acolher majoritariamente a população brasileira.
Sobre a qualidade do debate na campanha oficial, a depender de Bolsonaro e seus cães digitais, a coisa vai ficar no nível de memes de ataques e outras baixarias do gênero. A resposta ideal que o bolsonarismo espera ter dos adversários é no mesmo tom de xingamentos e radicalismos. Esse jogo, dentro das quatro linhas do campo das ideias rasas, é tudo o que Bolsonaro deseja. O presidente é um craque no deboche, escárnio, mentiras e palavras vazias.
Mas nem o jogo sujo escapa dos fatos insistentes e estes exigirão dos candidatos um exercício de narrativas convenientes para os eleitores ou enfrentar a verdade. Por exemplo, a anunciada filiação de Bolsonaro ao PL de Valdemar da Costa Neto traz do buraco da memória conexões que serão feitas de cada lugar que se olhe o passado recente. Aliás, passado é um tempo que assombra qualquer candidato em campanha: dar explicações presentes. Conta com a ajuda da falta de memória do brasileiro para assuntos políticos.
Ccondenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do Mensalão, o ex-deputado Valdemar da Costa Neto, líder do PL, foi condenado a sete anos e dez meses de prisão
Aos fatos: condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do Mensalão, o ex-deputado Valdemar da Costa Neto, líder do PL, foi condenado a sete anos e dez meses de prisão. Depois de cumprir dois anos e meio da pena, em 2016, recebeu indulto do Supremo Tribunal Federal (STF). Para os adversários é um prato cheio: basta tirar do buraco da memória este passado para ferir Bolsonaro pela sua filiação ao PL, certo? Não é tão simples assim: traz para o debate a memória do Mensalão, jogando luz sobre a questão da corrupção.
No dia 12 de agosto de 2005, segundo registrou o jornal Gazeta do Povo, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato franco favorito hoje segundo todas as pesquisas, tentou se explicar publicamente das denúncias de corrupção que abalaram o seu governo. Ele discursou em cadeia nacional sobre o escândalo do Mensalão. Aparentando nervosismo, o petista pronunciou as palavras mais graves de seus dias na Presidência.
“Quero dizer a vocês, com toda a franqueza, eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia, e que chocam o país”, disse ele, na abertura de uma reunião ministerial na Granja do Torto.
Lula não citou as pessoas que o fariam sentir-se traído. José Dirceu e Delúbio Soares, à época, estavam no epicentro do escândalo. “O PT foi criado justamente para fortalecer a ética na política e lutar ao lado do povo pobre e das camadas médias do nosso país. Eu não mudei e, tenho certeza, a mesma indignação que sinto é compartilhada pela grande maioria de todos aqueles que nos acompanharam nessa trajetória”, disse Lula.
Após o escândalo, Lula apresentou outras versões sobre o Mensalão. Já o tratou como uma tentativa de golpe contra o seu governo e anunciou que as denúncias de compra de voto no Congresso não passavam de uma farsa.
O ex-presidente ainda se comprometeu a trabalhar pela investigação de irregularidades. “Se estivesse ao meu alcance, já teria identificado e punido exemplarmente os responsáveis por esta situação. Por ser o primeiro mandatário da nação, tenho o dever de zelar pelo estado de direito (...) Meu governo, com as ações da Polícia Federal, estão investigando a fundo todas as denúncias”, ressaltou.
Após o escândalo, Lula apresentou outras versões sobre o Mensalão. Já o tratou como uma tentativa de golpe contra o seu governo e anunciou que as denúncias de compra de voto no Congresso não passavam de uma farsa. O ex-presidente também já afirmou que a oposição inventou o Mensalão como esquema de corrupção. Vale a primeira versão ou as versões subsequentes? Se o Mensalão foi uma farsa, em óbvio Valdemar da Costa Neto e o próprio PL são, como Lula e o PT, vítimas de uma farsa perpetrada pelo Ministério Público e pela Justiça. Neste caso, atacar o passado do PL vira um tiro no pé.
Neste buraco da memória cabe também o ex-juiz Sérgio Moro, que será comparado, em termos de ética e de condução processual, a outro magistrado. Indicado à vaga de ministro do STF pelo ex-presidente Lula, o então ministro Joaquim Barbosa foi o relator do caso do Mensalão. A relatoria de Joaquim Barbosa nesse processo, do ponto de vista da maioria dos juristas, nunca foi alvo de críticas sobre parcialidade ou acusado de fazer manobras escusas combinadas com procuradores para condenar qualquer um dos réus, ao contrário da atuação do ex-juiz Sérgio Moro, acusado de parcialidade pelo próprio STF.
A conferir como cada ator político vai interpretar os fatos do buraco da memória para construir suas narrativas eleitorais. Para além dos interesses de cada candidato, está em jogo um debate necessário para configurar a ideia do Brasil como país e da própria ideia de democracia. Uma pergunta condutora: será a defesa de uma postura flexível, complacente, relaxada em relação aos crimes de políticos ou um ativismo jurídico na base do arrepio da lei, dos fins justificando os meios? O debate sobre o combate à corrupção e sobre as formas legais desse combate deve ser pauta eleitoral movida por fatos.
Fonte: pnbonline
Autor: Pedro Pinto de Oliveira Da Redação